Boatos de que os Estados Unidos poderiam suspender o sinal civil do Global Positioning System (GPS) para o Brasil, em meio a atritos diplomáticos e judiciais, circularam com intensidade na segunda quinzena de julho de 2025 e provocaram apreensão sobre eventuais impactos na economia. A hipótese de aeronaves, veículos e equipamentos ficarem “sem latitude e longitude” foi descrita como capaz de paralisar setores inteiros. A análise de especialistas, porém, indica que o bloqueio do GPS seria pouco provável e, mesmo que ocorresse, não comprometeria o país da forma imaginada.
A discussão remete a 1999, quando o governo dos EUA ainda mantinha o recurso de selective availability — erro aleatório de até 100 metros inserido deliberadamente nos sinais civis desde o lançamento dos satélites, em 1978. Naquele ano, a Índia solicitou acesso ao serviço de alta precisão durante conflito com o Paquistão e recebeu negativa de Washington. O episódio acelerou iniciativas para criar constelações próprias de navegação por satélite, reduzindo a dependência global do sistema norte-americano.
Hoje, além do GPS, estão em operação o GLONASS (Rússia, 1982), o BeiDou (China, 2000), o Galileo (União Europeia, 2005), o QZSS (Japão, 2010) e o NavIC (Índia, 2013). Smartphones vendidos no Brasil já utilizam, de forma combinada, sinais dessas redes, aumentando a precisão e a resiliência. Aplicativos de mobilidade, como Waze e Uber, costumam alternar automaticamente entre as constelações disponíveis, sem intervenção do usuário.
Na aviação, a dependência dos satélites é ainda menor. A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) exige que pilotos brasileiros dominem técnicas de radionavegação baseadas em estações VHF em solo, conhecidas pela sigla VOR. Esse sistema terrestre continua operacional mesmo que todos os sinais de GNSS sejam interrompidos. No campo, sensores agrícolas, receptores de agrimensura, equipamentos de telecomunicações e máquinas da indústria de petróleo que ainda utilizem apenas GPS podem ser substituídos por modelos multiconstelação, disponíveis no mercado.
Diante desse cenário, a eventual suspensão do GPS pelos Estados Unidos não aparece como a principal vulnerabilidade do Brasil. A preocupação real, apontam profissionais de tecnologia, está na ampla adoção de softwares e serviços em nuvem desenvolvidos por empresas norte-americanas. Plataformas de fornecedores como Dell, Microsoft, Cisco, IBM, Oracle, Amazon, Google e Meta são usadas em larga escala por organizações públicas e privadas brasileiras como base para operações críticas.
Casos recentes mostram como sanções de Washington podem restringir o acesso a essas soluções. Países como Cuba, Irã, Síria, Sudão, Coreia do Norte e Venezuela enfrentam proibições para adquirir ou atualizar produtos de tecnologia dos Estados Unidos. Embora nenhum desses softwares seja insubstituível, a troca emergencial por alternativas nacionais ou de código aberto exigiria investimentos elevados e prazos extensos para migração, testes e capacitação de equipes.
Nações que buscam reduzir a dependência de fornecedores norte-americanos adotam estratégias graduais. A União Europeia financia iniciativas próprias em semicondutores, computação em nuvem e inteligência artificial. A China investe há anos em arquiteturas de processadores e sistemas operacionais domésticos, processo que lhe garantiu autonomia tecnológica em larga escala. Ambos os movimentos refletem a percepção de que soberania digital é componente central da segurança nacional.
No Brasil, infraestrutura de data centers, redes de telecomunicações e mão de obra qualificada formam base considerada suficiente para desenvolver grandes plataformas locais. O desafio reside em políticas de incentivo à pesquisa, harmonização regulatória e estímulos à adoção de soluções produzidas internamente. Especialistas observam que o mercado brasileiro, conhecido por testar novidades rapidamente, poderia sustentar empresas de alcance global se recebesse apoio consistente.
A polêmica sobre um eventual corte do GPS, portanto, serve de alerta sobre onde se concentram as fragilidades tecnológicas do país. Constar de múltiplas constelações de navegação garante redundância de posição, mas a forte dependência de softwares estrangeiros segue sendo o ponto sensível diante de possíveis sanções geopolíticas. A discussão evidencia a necessidade de planejamento estratégico e investimento contínuo para que a futura soberania brasileira seja também digital.