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ToggleSão Paulo — Jogar papel higiênico no vaso sanitário continua sendo um hábito desaconselhado no Brasil. Especialistas em saneamento, química e indústria de celulose apontam falhas na infraestrutura de esgoto, ausência de padronização de testes de desagregação e custos adicionais de produção como barreiras para a adoção de papéis hidrossolúveis em larga escala no país.
Infraestrutura limita descarte direto
O sistema de esgotamento sanitário brasileiro foi projetado, em sua maior parte, para transportar apenas resíduos líquidos. Tubulações estreitas, conexões antigas e falta de manutenção frequente reduziriam a capacidade de conduzir sólidos, mesmo materiais compostos de celulose. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), a rede de coleta não suportaria um aumento significativo de sólidos sem investimento robusto em tratamento e expansão do encanamento.
Além disso, entupimentos recorrentes em residências costumam ser causados por descarte inadequado de lenços umedecidos, absorventes e plásticos, itens que não se desfazem com facilidade. A ABIHPEC afirma que o papel higiênico, por si só, não seria o principal vilão, mas admite que, nas condições atuais, mantê-lo na lixeira evita sobrecarga no sistema.
Ausência de norma de desagregação
No Brasil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) classifica o papel higiênico de acordo com alvura, resistência e número de pintas na folha, mas não exige testes de desagregação na água. A falta de parâmetro oficial impede que as embalagens tragam informação clara sobre a possibilidade de descarte no vaso.
Há, no exterior, referências como a norma espanhola UNE 149002 e o decreto belga de 2015, que definem critérios mínimos para rotular produtos como “flushable”. A regra internacional ISO 12625-17 apenas descreve o procedimento de teste em laboratório, sem estabelecer limite de aceitação. Na prática, cada país decide o que considera seguro para a rede.
Patrícia Kaji Yasumura, gerente técnica do Laboratório de Celulose do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), relata que poucas empresas solicitam ensaios de desagregação porque o mercado interno não exige esse certificado. Quando há exportação, o cenário muda: “fabricantes precisam provar a dispersão para atender às legislações estrangeiras”, explica.
Custos e desafios industriais
Produzir um papel que combine maciez, resistência ao uso e rápida dispersão na água requer ajustes finos na dosagem de aditivos e controle de fibras. Lúcia Coelho, professora da Universidade Federal do ABC (UFABC), afirma que aditivos que aumentam o toque aveludado deixam a fibra mais persistente. A transição para um papel totalmente hidrossolúvel exigiria tecnologia mais delicada e maquinário capaz de manusear matéria-prima mais frágil.
Essa evolução elevaria o custo de produção. Sem estímulos tributários nem demanda regulatória, fabricantes priorizam preços competitivos para o consumidor. Na visão de segmentos liberais, o Estado deveria concentrar esforços em melhorar a infraestrutura de saneamento antes de impor novas obrigações à indústria — posição alinhada à defesa de livre mercado e responsabilidade individual.
Como outros países lidam com o tema
Na Espanha, papéis rotulados como “desagregáveis” precisam se dissolver em até dois minutos no teste padrão. Na Bélgica, o governo define parâmetros semelhantes. Esses exemplos mostram que, quando o Estado estabelece regra clara de desempenho, a indústria se adapta. No entanto, ambos os países contam com redes de esgoto dimensionadas para receber papel, o que reduz o risco de entupimentos coletivos.
Nos Estados Unidos, parte das residências descarta o papel no vaso, especialmente em regiões com tubulações de maior diâmetro. Ainda assim, campanhas municipais alertam para o perigo de jogar lenços umedecidos e outros produtos, reforçando que mesmo em redes modernas o risco de obstrução permanece.
FAQ — Perguntas frequentes
1. O papel higiênico brasileiro é diferente dos importados?
Recebe aditivos que podem dificultar a desagregação, mas o principal obstáculo é a falta de norma que exija teste específico.

Imagem: que no Brasil não devemos jogar o papel via g1.globo.com
2. Jogar papel no vaso causa entupimento imediato?
Não necessariamente, porém aumenta a chance de obstrução em tubulações antigas, comuns em prédios e casas brasileiras.
3. Papel biodegradável pode ser descartado na água?
Biodegradável descreve decomposição em até seis meses; o teste de vaso exige dispersão em poucos minutos, parâmetros distintos.
4. Existe selo “flushable” no Brasil?
Hoje não. A rotulagem depende de critérios oficiais de desagregação, inexistentes no país.
5. Quais investimentos seriam necessários?
Ampliação de diâmetro de tubos, manutenção constante e modernização de estações de tratamento.
6. A indústria possui tecnologia disponível?
Sim, mas a adoção em massa exige equilíbrio entre custo, demanda e regulação.
7. O consumidor pode testar em casa?
Sim: agitar o papel em um copo com água por cinco minutos. Se restarem pedaços grandes, o produto não é adequado ao vaso.
8. Lenços umedecidos “flushable” também entopem?
Estudos internacionais indicam que lenços rotulados assim ainda apresentam fibras longas e podem obstruir redes, especialmente as antigas.
Conclusão
O descarte de papel higiênico no vaso sanitário segue contra-indicado no Brasil porque a combinação de encanamentos subdimensionados, ausência de norma de desagregação e custos industriais adicionais cria risco de entupimento e despesas extras para o consumidor. Investimentos em saneamento e definição de critérios claros podem viabilizar, no futuro, a adoção de papéis hidrossolúveis sem impacto negativo na rede. Até lá, manter o papel na lixeira continua sendo a prática mais segura para evitar transtornos domésticos e coletivos.
DICA BÔNUS
Mantenha uma tampa com fechamento firme na lixeira do banheiro. Assim você reduz odores, impede proliferação de insetos e garante higiene adicional sem alterar a rotina de descarte.