O Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro a Laser (LIGO) anunciou em 14 de novembro a identificação da maior fusão de buracos negros já observada. O sinal, batizado de GW231123, foi captado em 2023 e analisado durante dois anos antes da divulgação. O fenômeno ocorreu a aproximadamente 10 bilhões de anos-luz da Terra e envolveu dois buracos negros com cerca de 100 e 140 vezes a massa do Sol, que se combinaram para formar um objeto resultante de 225 massas solares. A diferença entre as massas iniciais e a final corresponde à energia liberada em forma de ondas gravitacionais que viajaram pelo espaço-tempo até alcançarem a Terra.
Os dados revelaram que os dois buracos negros giravam a velocidades excepcionais, estimadas em cerca de 400 mil rotações da Terra por segundo, aproximando-se do limite teórico previsto para esse tipo de objeto. Segundo a física gravitacional, caso essa barreira fosse superada, o horizonte de eventos — a fronteira que impede qualquer coisa de escapar de um buraco negro — desapareceria, restando apenas a singularidade. A possibilidade ainda não foi confirmada na natureza, mas o comportamento extremo observado em GW231123 indica que os modelos atuais precisam ser refinados para explicar cenários de rotação tão alta.
Como o LIGO registra ondulações minúsculas no espaço-tempo
As ondas gravitacionais são ondulações no tecido do espaço-tempo geradas por movimentos acelerados de corpos extremamente massivos, conceito previsto por Albert Einstein em 1915. A primeira detecção direta ocorreu apenas em 2015, também pelo LIGO, inaugurando uma nova forma de astronomia. Na chegada à Terra, a amplitude dessas ondas é ínfima, cerca de dez mil vezes menor que o diâmetro de um próton, o que torna sua medição um dos desafios mais complexos da física experimental.
Para captar variações tão pequenas, o LIGO mantém dois detectores nos Estados Unidos, um no estado de Washington e outro na Louisiana, separados por 3 000 quilômetros. Cada instalação possui formato de “L” com braços de quatro quilômetros. No ponto de interseção, um feixe de laser é dividido em duas direções, reflete em espelhos nas extremidades e retorna. Caso uma onda gravitacional atravesse o sistema, um dos braços sofre alongamento mínimo em relação ao outro, gerando uma interferência no feixe reunido. Os cientistas comparam os sinais dos dois locais; se houver coincidência, confirmam a passagem da onda e descartam perturbações locais, como vibrações sísmicas ou tráfego de veículos.
Modelos matemáticos e o desafio do giro extremo
Depois de confirmar a detecção, equipes de diferentes instituições recorrem a dezenas de modelos computacionais para reconstruir o evento responsável pelo sinal. Normalmente, esses modelos convergem para resultados semelhantes, mas no caso de GW231123 houve divergências relevantes, atribuídas ao giro excepcionalmente rápido dos buracos negros envolvidos. A pós-doutora e pesquisadora Cecília Chirenti, especialista em astrofísica relativística, destacou que a inconsistência evidencia limitações dos atuais simuladores quando a rotação se aproxima do limite teórico. O grupo pretende aprimorar as equações e recalcular os parâmetros para compreender com mais precisão esse tipo de colisão.
Chirenti, doutora em Física pela Universidade de São Paulo, com passagem pelo Instituto Max Planck de Física Gravitacional e atualmente professora da Universidade Federal do ABC, explicou que fusões como a anunciada ocorrem em sistemas binários, onde dois buracos negros orbitam mutuamente até perderem energia por emissão de ondas gravitacionais e colidirem. A observação de eventos tão distantes, segundo a pesquisadora, confirma a sensibilidade dos instrumentos e amplia o catálogo de massas e rotações possíveis no Universo.
Próximo passo: o observatório espacial LISA
O futuro da astrofísica de ondas gravitacionais inclui a missão LISA (Antena Espacial de Interferômetro Laser), desenvolvida pela Agência Espacial Europeia em parceria com a NASA. Prevista para lançamento em 2035, a LISA será formada por três naves posicionadas a cerca de 2,5 milhões de quilômetros umas das outras, em formato triangular, seguindo a órbita terrestre ao redor do Sol. O arranjo espacial permitirá medir oscilações em frequências mais baixas que as acessíveis aos detectores terrestres, possibilitando registrar colisões de buracos negros supermassivos e de galáxias inteiras. Diferentemente do LIGO, que mede variações nos braços de quatro quilômetros, a LISA observará mudanças nas distâncias entre espaçonaves separadas por milhões de quilômetros, aumentando a sensibilidade para eventos de grande escala.
Além de identificar fusões de objetos com dezenas de milhões de massas solares, os cientistas esperam combinar, em alguns casos, sinais gravitacionais e luz emitida por matéria ao redor dos buracos negros, abrindo caminho para estudos de multimensageiros. A partir desses dados, será possível investigar com mais detalhe a formação e a evolução de estruturas cósmicas gigantescas, complementando o trabalho iniciado com detecções terrestres como a de GW231123.